LENDAS & MITOS DE VINHAIS

A lenda do Sant’Iago

APL 1193
Em era remota vivia em Edral, região de Lomba, abastado fidalgo de nobre solar. Os amores que, a ocultas, mantinha com formosa aldeã, levavam-no a combinar freqüentes idílios no logar de Ribas, na encosta íngreme da margem direita do rio Rabaçal. Certo dia o nobre fidalgo saiu à caça; depois de bater a mata espêssa de urzes, medronheiros e xardões (nome dado ao quercus illex), com os fogosos podengos, sentou-se sobre uma fraga, relanceando a vista pela selva em flor, para ver, se o oscilar de algum arbusto lhe denunciava a presença da bela aldeã. O sol já havia fugido do monte fronteiro, a noite ia caindo quieta e taciturna;  lá, em baixo, no sopé do fraguedo informe, o rio sussurrava, coleando as puidas rochas, quando surgiu da montina escura (bosquete, têrmo regional), o vulto donairoso da linda serrana. Aproximam-se. Ele, galanteador e apaixonado, ela, mais gentil e carinhosa que nunca, descem lentamente por carreirão estreito (carreiro, atalho) em direcção a uma clareira próxima. O fidalgo tirando do bornal lauta merenda, que entregou à moçoila, procurou em volta lavada pedra que lhes servisse de mesa. Mas, horrível visão! quando se ajoelhou para assentar a provisória mesa, pôde observar que as pernas da formosa aldeã eram de cabra. Levanta-se para fugir, chama os podengos; mas ela, enlaçando-o nos braços fortes, esforça-se por arrastá-lo até à beira do alto precipício, para o lançar na corrente caudalosa do rio; êle, porém, percebendo o risco que lhe corre a vida, sem fôrças, desfalecido, lá no cume da elevada penedia, lembra-se de Deus e dos santos, e, em voz rouca, exclamou com intensa fé: Senhor Sant’Iago Menor, valei-me! Hei-de erigir-vos neste mesmo logar uma capela em vossa honra!»
 De repente uma espada chamejante scintilou à luz baça do crepúsculo; e o fidalgo só pôde ver um horrível demónio a chispar lume pelas largas narinas, e precipitar-se no rio, soltando imprecações infernais.
 Regressando o fidalgo a casa, passados dias mandou construir uma capela em honra do glorioso bemfeitor. E no último domingo de Agôsto que ali se realiza a festividade, aonde vão, apesar da aspereza do terreno, quási inacessível a mortais, milhares de devotos em piedosa romaria.
Fonte BiblioMARTINS, Pe. Firmino Folklore do Concelho de Vinhais. Vol. 1 s/l, Câmara Municipal de Vinhais, 1987 [1928] , p.87-89


A mulher com pés de cabra

APL 2766
A origem da capela de São Tiago, situada em lugar ermo e escarpado no extremo das aldeias de Espinhoso e Edral, do concelho de Vinhais, está associada a uma curiosa lenda bastante arreigada nas crenças do povo.
Conta-se que, há muitos e muitos anos, um fidalgo das redondezas costumava ir caçar para as escarpas do rio Rabaçal, onde abundam os javalis, e, certo dia, encontrou sentada numa fraga uma bela mulher que o cativou com sorrisos provocantes.
O fidalgo, não resistindo à tentação, foi sentar-se à sua beira e ambos trocaram olhares e cumplicidades sensuais. Porém, quando o homem procurou tocá-la com as mãos, notou que os seus pés eram de cabra.
—  Que é isto?! Que mulher és tu? —  gritou espantado e apavorado.
Ela, sem palavra dizer, prendeu-o com braços fortes e procurou que ambos se despenhassem no precipício. Foi então que ele recorreu a São Tiago.
— Valei-me São Tiago, santo da minha devoção! — rogou o fidalgo.
Diz o povo que, no mesmo instante, a mulher se desenlaçou e se transformou num demónio aterrador, precipitando-se no abismo, onde desapareceu.
Por sua vez, o fidalgo, em honra do santo, mandou construir naquele mesmo local a capela, que, ainda hoje, atrai milhares de romeiros de todas as bandas.
Fonte BiblioPARAFITA, Alexandre O Maravilhoso Popular - Lendas, contos, mitos Lisboa, Plátano Editora, 2000 , p.113


A bruxa e as vacas

APL 2759
Conta-se na aldeia de Espinhoso, Vinhais, que, há muitos anos atrás, dois amigos, ao regressarem a casa, numa noite de luar, vindos do forrobodó numa aldeia vizinha, encontraram roupas de mulher deixadas nuns urgueiros à beira do caminho.
— De quem serão estas roupas? — perguntou um deles. — Aqui não há nenhum rio ou açude para se tomar banho!...
—Vamos esperar, pois quem aqui as deixou não há-de tardar a vir por elas — sugeriu o outro.
E assim fizeram. Dali a pouco viram chegar uma mulher emboligadanuma nuvem de pó. Esperaram que ela se desemboligasse e logo a reconheceram. Desconfiados de que tivesse andado a praticar alguma maldade, os dois amigos não lhe deram as roupas enquanto ela não lhes disse o que tinha ido fazer.
A mulher, para reaver as roupas e livrar-se da vergonha, lá acabou por confessar que tinha ido fazer mal às vacas do Fulano. E os dois amigos só lhe devolveram as roupas depois de ela ir desfazer o mal que tinha feito.
Fonte BiblioPARAFITA, Alexandre O Maravilhoso Popular - Lendas, contos, mitos Lisboa, Plátano Editora, 2000 , p.77

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